quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

013_Enfermaria 204 _ Mamãe me tira daqui

São 22 horas. Todos dormindo.

Chegam as equipes de enfermagem acendendo as luzes, mexem no leito 1, que estava vazio. Saem apressadamente.

O barulho das rodas da maca no corredor indicam que vem coisa feia por ai.

O cidadão com pernas, braços com grampos externos, diversos pontos no rosto, outro ombro todo enfaixado e a mão idem.

São 2 horas da manhã. Era dia de plantão da enfermeira nazista, que achava que doente só sente dor.

Passa o efeito da anestesia. O paciente do leito 1 começa o show particular, são 40 minutos gemendo e gritando:

- Eu morri, socorro, eu não quero morrer!
- Mamãe me tira daqui! Eu não bebo mais!
- Fulana volta pra mim!
- Socorro estão me torturando!
- Acende a luz que tem bicho aqui!
- Mamãe me tira da cadeia, eu não faço mais isso!
- Mamãe me tira desta cadeia se não ele vão me violentar!

Essa última frase exigiu uma rápida ação, pois ele poderia começar a revelar os segredos da sua traumática estadia na cadeia.

Enquanto estávamos nos levantando e acendendo a luz ele começou a se mexer violentamente tentando se soltar das ataduras.

- Professor deixa que ele vai contar como foi a primeira vez...

Risadas gerais.

Assis pegou as muletas foi até a enfermaria, eu fui até o leito 1 pois eu era o único que podia me mexer e ainda tinha livre a mão.

Quando me aproximei ele se encolheu todo no leito e começou a berrar que era homem, que não podia ser violentado e coisa e tal.

Imediatamente Antonio e Augusto soltaram a frase derradeira que gerou risada de todos:

- É professor, esse aí já é casado...
- Se precisar de anel, minha esposa deixou o cobertor embrulhado e tem barbante aqui!

Como o diálogo não dava em nada, tratei logo de me fazer ouvir e gritei:

- Qual seu nome? Como você chegou no Hospital?

Acho que nosso amigo ficou mais calmo quando ouviu "hospital".

- Calma, aqui é o Miguel Couto, no Rio, não é cadeia - expliquei - Você está todo quebrado, cheio de gesso, fez cirurgia, deve ter sido acidente, fica calmo. Já ligou para os parentes.

A solidariedade da enfermaria se fez imediata, 6 celulares apareceram.

Assis chegava com um enfermeiro, pois a nazistinha se recusava a atender o paciente, afinal de contas paciente só sente dor e reclama, esquecendo que ela também tem problemas.

A santa e cancerígena dipirona foi ministrada...

O enfermeiro explicou:

- A namorada ou mulher largou o cara, ele saiu de bicicleta, bebeu todas e subiu a ponte Rio-Niterói na contramão, querendo vir ao Rio.

A piadinha final:

- Corno, bêbado e com anel de barbante no dedo....

Na manhã seguinte, no café, ele estava mais calmo e pediu ajuda para ir ao banheiro. Levantei mexi nas manivelas da cama, dei o ombro, ele pediu um espelho.

- Vai doer ainda por um bom tempo, mas a dor vai passar em algumas horas, disse eu!

A resposta veio rápida e dura:

- Meu senhor eu sou homem macho, sei sentir dor.

Respirei e pronto, deixa pra lá

- Deve ser por isso que ele pedia ajuda a mãezinha dele ontem de noite, lascou Augusto.

- Nada disso, deve ter sido a cadeia que ensinou ele a aguentar dor, emendou Antonio.

Risos gerais.

Apenas expliquei que ali todo mundo sacaneava um ao outro para que nossas dores passassem mais rápido, que ele nem procurasse entender aquilo pois nós estávamos ali a mais tempo que ele e nossas relações são diferentes.

Ficou mais uma noite e foi embora no dia seguinte.

Mas durante a sua estadia ajudou outros pacientes, agradeceu pelo telefonema, pelo apoio e fez questão de falar individualmente com cada um de nós.




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