quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

006_Enfermaria 204_O FILHO COM PROBLEMA

Acidente de moto. Bebeu muito saiu para um "pega" entre uma moto e um carro, na curva o carro fechou a moto. Lançado ao alto bateu nos fios, espatifou-se em um muro.

Segundo a mãe e o pai ele "conseguiu" uma moto importada com um amigo estava brincando de "pega" quando a polícia chegou, eles fugiram, pois os policiais podiam
não entender a brincadeira e, não riam, tinha um agravante, ele "esqueceu de pegar os documentos com o amigo, pois saiu correndo com a moto, cheio de alegria para mostra na comunidade".

Quebrou clavícula, costelas, omoplata, de um lado e o punho e dois dedos do outros.
Imaginem um cara com ombro imobilizado com a mão na frente à altura do coração e a outra mão com engessamento até o cotovelo.

Veio acompanhado do pai e da mãe que não se toleram, são separados, mas moram juntos, com outros casamentos e filhos distintos. Simples de entender, espero ter explicado bem.

Dormia de dia. Tomava o café e dormia até o almoço. Depois dormia até o lanche, do lanche até o jantar! Aí acordava e zanzava a noite pelo hospital.

Reclamava do pai em tudo, qualquer vontade não satisfeita ligava e se queixava pra mãe, que chegava e brigava com o pai, na frente de todos, tipo barraco geral na enfermaria.

Retirou por três vezes as imobilizações, pois sentia calor. Levou três broncas do médico. A mãe deu logo uma bronca no médico, chamou o filho de coitadinho, de problemático, que por causa do pai sofreu muito e sofria de “claustrofobia” e que não sabia o que fazer.

Ao ouvir isso, um morador da Rocinha deu logo a sugestão de “mete logo a porrada nesse moleque”.

Apesar da gargalhada geral a mãe irada deu um sugestão hilária “não dá para passar a gaze (atadura) no braço, com duas ou três voltas em vez de imobilizar o braço e o ombro todos”.

O pai indignado com a atitude do filho cobrava atitude dele e a mãe na base do coitadinho reclamava do pai.

E todos nós ouvindo tudo isso!

O filho de forma descarada, cínica, debochada jogava bem com essa contradição, fazendo cara de doente, saia se arrastando pelos corredores com a metade da cueca aparecendo, sem tomar banho, escovar os dentes ou qualquer interesse por higiene.

Um pai acompanhante de um menor morador de outra favela, muito mais pobre, comentou comigo “minha vida de pobreza não me fez fazer do meu filho alguém sem higiene, ele tem 15 anos, mas vai de cadeira tomar banho quando acorda e antes do jantar.”

Observei que esse “filho com problemas” era esperto, entabulava conversas com outros jovens, digamos, com as mesmas afinidades, ou seja, funk, bebidas, motos e atividades noturnas.

A mãe sempre zelosa, um dia pegou a cama de um paciente que subiu para um exame, tirou lençol, mudou de um lado para outro, batendo e assustando diversos pacientes, pois atendeu ao pedido do filho que “queria uma cama móvel que levantasse a parte das pernas”.

Assim, de vontade em vontade, sutilmente realizada, ele estava “querendo fugir” e ir para os bailes, sair, beber, virar noite, fazer filhos e largar por aí, pois “mulher só serve pra isso”.

Toda a cirurgia é precedida de uma “dieta zero” que ele ignorava, a ponto de obter recursos financeiros do pai para comprar refrigerantes, salgadinhos e outros quitutes. Se o pai questionasse, entrava a mãe em cena, aos berros.

O pai chegava e dormia, tanto quanto ele, inclusive na cama do paciente, sem preocupar com higiene ou contaminação. A irmã chegava e dormia tanto quanto ele e pai também.

Ao se aproximar a data da cirurgia ficava patente o medo dele!

Sai antes dele ser cirurgiado, mas disseram que deu trabalho.

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