quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

014_Enfermaria 204 _Mexe com o pé, porra!

Bom, era meu primeiro dia, estava ainda me familiarizando com as coisas, com as rotinas, com as pessoas. Era tudo tão novo e, ainda era um hospital público.

No leito a minha direita estava um paciente que havia sido operado no dia anterior. Foi no pé, não sei explicar direito, pois ele não falava, só gemia.

Era um homem de 25 anos, atlético, acidentou-se num jogo de futebol.

O médico passava sempre que podia e perguntava:

- Tá mexendo com o pé, como ensinei?

Ele respondia sempre afirmativamente e eu, em 4 horas ali deitado, nunca tinha visto esse exercício e, calculei, que deveriam ser movimentos sutis e delicados, daí serem imperceptíveis.

Antes da troca do plantão o médio veio novamente e perguntou:

- Tá mexendo os pés?

- Sim, de hora em hora! Disse rindo, meio nervoso!

- Então mexe, agora, que eu quero ver?

O cidadão mexia levemente o dedão do pé.

O médico balançou a cabeça negativamente e falou em voz bem alta e tom sério:

- Eu disse mexe com o pé, porra! Não disse mexe com o dedão do pé, porra!.

- Mas eu só posso fazer isso, não dá pra fazer mais.

- Sei, só isso, né... Só assim? Está bem, vou ensinar, logo, pois mexer com pé e fazer assim!

De uma vez só, segurou a perna com uma das mãos pressionando-a na cama e com a outra pegou no pé e fez um movimento rápido de dois tempos, para cima e para baixo, como se fosse um movimento de bailarina.

Um uivo cortou a sala, pacientes e enfermeiros curiosos vieram olhar assustados.

- Se amanhã eu chegar aqui e você não estiver mexendo os pés, eu vou fazer os exercícios.

Durante o fim da tarde e por toda a noite só ouvia os gemidos de "P" e imaginei que aquele movimento brusco tinha deixado o coitado cheio de dores.

São seis horas da manhã.

O médico empurra a porta e acende a luz.

"P" se levanta da cama, coloca as pernas por alto e mexe os pés como se fosse um bailarino exercitando-se antes da apresentação:

- Aí, doutor, nem chega perto, tá vendo estou mexendo com o pé todo, pelo amnor de Deus, nem precisa mais mexer.

O pé não parava e mexia de todas as formas, em vario movimentos e rapidamente!

O médico disse:

- Vou te dar alta hoje.

Na verdade o medo, a dor e a maneira de pensarmos sobre nossos problemas cirúrgicos, são nossos inimigos na recuperação.

O medo do médico mexer novamente em seu pé, fez com "P" perdesse o medo de movimentar o próprio pé.

Essa lição me foi valiosíssima na minha recuperação.


Um comentário:

  1. Muito bom, meu querido! Vou acompanhar o site sempre que possivel. Forte abraco, Marquinhos.

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